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O CLIENTE COMO VARIÁVEL NO TREINAMENTO PERSONALIZADO: Algumas reflexões incomuns.

O CLIENTE COMO VARIÁVEL NO TREINAMENTO PERSONALIZADO: Algumas reflexões incomuns.
Arthur Ferron
jan. 8 - 11 min de leitura
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Você já se perguntou qual é a variável mais importante do treinamento?

Sem dúvida alguma, esta variável é o cliente.

Caso você esteja de acordo comigo e seja apaixonado por traduzir e dar sentido para outrem ao conhecimento que você tem dentro do seu campo de atuação na indústria do fitness, o convido para refletirmos sobre alguns aspectos relacionados à prestação do serviço de treinamento personalizado, de uma maneira e sob uma perspectiva que, talvez, você ainda não tenha visto. Vamos lá?  

Se o cliente realmente é a parte mais importante para que o nosso trabalho aconteça, como não dedicarmos total e irrestrita atenção para ele durante uma sessão de treinamento presencial? Afinal, como temos nos comportado em serviço?

Sendo o foco do nosso trabalho uma outra pessoa, como não impor preferências pessoais – as nossas – ou crenças genéricas baseadas em estatística, por exemplo, na construção da experiência de treinamento individual do nosso cliente? Mas, por outro lado, como guiá-los na própria experiência, no próprio entendimento, baseando-se nas possibilidades momentâneas e não naquilo que lhes falta?

Haruki Murakami, em um dos seus livros intitulado, “Do que eu falo quando eu falo de corrida", ilustra bem a reflexão que proponho quando conta aos seus leitores sobre a sua experiência de contratar, sem sucesso, alguns instrutores de natação para ajudar a melhorar a sua técnica. No relato, um dos maiores romancistas da atualidade e entusiasta dos esportes de endurance foi taxativo: "[...] muita gente sabe nadar, mas uma pessoa que saiba ensinar a nadar é uma coisa raríssima.". E continua: “[...] claro que há professores capazes de ensinar um determinado assunto, em determinada ordem, usando frases previamente escolhidas, mas não existem muitos que conseguem ajustar o seu método às capacidades e tendências dos alunos e explicar coisas à seu próprio modo.” (MURAKAMI, 2010, p.134).

Não basta ter “explicação para tudo”. Não basta ser seguro “no seu método”. Não basta “saber fazer”. É preciso entendermos os princípios que regem o estímulo ao corpo humano e também, enquanto profissionais do exercício e professores, gastarmos mais tempo aprendendo a ensinar melhor o que achamos que sabemos, sem nunca deixarmos de nos questionar: “- será mesmo este o motivo deste movimento mal executado ou daquele desconforto relatado ao realizar este ou aquele exercício?”. Por isso, que tal neste ano duvidarmos mais do que sabemos e, quem sabe, não termos respostas para tudo? Afinal de contas:

It’s what you learn after you know it all that counts

(John Wooden)

Tradução: “O que conta é o que você aprende depois de saber tudo”.

Outra questão que ora dá méritos, ora levanta acusações ou descredencia os profissionais do exercício em campo é o planejamento antecipado do treinamento para atender o cliente particular. Se para atendermos o nosso cliente aprendemos que "o certo a se fazer” – sob o risco de ser acusado de pouco profissionalismo” - é elaborar um plano de trabalho previamente às sessões de treinamento, reflitamos: seria possível construir resultado com o cliente sem ficar preso a um script pensado de antemão, deixando-se guiar pelo fluxo de raciocínio imprevisível, que é o que potencialmente contemplaria a noção de “prescrição particular” ou treinamento individualizado? (MOSCÃO, 2017).

Em seu livro "O show do eu: a intimidade como espetáculo", Paula Sibilia, (2008) cita Umberto Eco, que denuncia uma irrecusável pobreza inerente à comunicação audiovisual, em comparação à riqueza infindável da palavra. Ou, mais exatamente, o menor nível de exigências daquela com relação ao público. "Enquanto um livro requer uma leitura cúmplice e responsável, uma leitura interpretativa, o filme ou a televisão mostram-nos as coisas já prontas". De forma análoga,  um programa de treinamento pré-concebido apresenta-se muito mais pronto, limitando interpretações,  desconsiderando a importância da decisão tomada no momento presente, fruto de uma sintonia momentânea criada entre o personal trainer e o seu cliente, especialmente quando se considera que o sujeito de "hoje" já não é mais aquele que treinou ontem.

Nessa linha de raciocínio, pode-se pensar que cada nova sessão de treinamento, mesmo que com a mesma pessoa realizando um exercício já conhecido, é como a leitura de uma nova página de um livro que se quer infindável. Pense comigo: não poderia uma postura profissional que parta dessa perspectiva resultar em retenção de clientes? Eu mesmo gosto de pensar que uma aula de treinamento personalizado só "fica pronta" quando o cliente retorna para a próxima sessão de treinamento. E acredito também que, para que o cliente retorne, é o que entregamos no momento presente o que mais conta, e por isso, é preciso, a cada momento, mostrar sentido em cada passo dado na construção do processo, na construção do continuum training® [1]de cada aluno. Por isso, observar, perceber, intuir, sugerir, testar, ajustar, reavaliar, testar novamente, melhorar, não se dar por satisfeito, seguir, ensinar. Essas são, certamente, atitudes e condutas profissionais que respaldam o ser profissional do exercício e professor na condução do nosso trabalho.  

E para trazer ainda outras questões para reflexão, deixando algumas provocações em suspenso, frequentemente me pergunto: por que temos gasto tanto tempo discutindo, lendo, escrevendo, argumentando e debatendo sobre: “- qual é o melhor método para”, “que exercícios funcionam melhor” ou, como queira, “que exercícios são mais funcionais”, "qual a melhor modalidade para trabalhar a postura", etc.? O que me parece é que, mantendo este tipo de pergunta como critério para indicarmos, recomendarmos, oferecermos os nossos serviços e ou indicarmos o de nossos colegas, seguiremos tendenciosamente decidindo em prol das nossas preferências, talvez não analisando crítica e profissionalmente as necessidades de quem está procurando o nosso serviço e orientação.

Assim, se temos realmente o foco no cliente, será que estas são as perguntas mais relevantes, as que mais irão nos ajudar no processo de construção de uma experiência de treinamento bem sucedida? Ou seriam muito mais interessantes perguntas que levem em consideração quem é o nosso cliente; o que ele tem disponível para ser treinado naquele momento; o que e quanto ele tolera relativo à imposição de forças (carga externa) sobre o seu sistema neuro-músculo-articular atualmente; o quanto ele domina e se consegue se apropriar de fato de cada fração de esforço feita por ele durante a sessão de treinamento, considerando o seu tempo dedicado, a sua energia, a intensidade do seu foco e o seu nível de concentração, etc. ? Ou saber se ele realmente controla cada posição articular mantendo tensão sobre o tecido contrátil, produzindo contração muscular de forma consistente e substancial, não importando a ferramenta utilizada ou a velocidade do movimento intencionada no exercício? Essas são, entre outras, algumas das muitas perguntas que, acredito, realmente levam em conta o tempo presente, o momento da aula, para avaliar a qualidade e a densidade do que se está tentando construir, sem perder o foco ou a capacidade de ajudar o cliente a atingir os seus objetivos.

Talvez a esta altura do texto você já tenha se perguntado: “- De onde vieram estas ideias?” Ou ainda, por conta dessa visão, talvez eu já tenha “te perdido” ao longo da (e que longa) leitura. Bem, me deixe explicar: concordo com a visão de que todas as respostas já estão no cliente e, por isso, me esforço para não ser tomado por modismos e tendências, investigando detalhadamente o que o cliente consegue e não consegue fazer a cada aula, avaliando a qualidade, a consistência e a resposta esperada de cada parte do seu corpo responsável por expressar movimento para decidir qual será o próximo passo.

Todavia, é importante notar que reconhecer que todas as respostas estão no cliente não é o mesmo que saber todas as respostas! Esta é apenas uma forma interessante de pensar para reconhecermos que precisamos saber e entender em um nível detalhado sobre as áreas que são da competência do treinador particular, e aqui gostaria de destacar o conhecimento sobre a anatomia, a aplicação de forças sobre o corpo e a fisiologia articular. E para nos colocarmos intensamente presentes na sessão de treinamento, obviamente, para muito além do papel de contador de repetições, monitor de tempo de descanso e ou ensinar aos alunos a cadenciar a execução dos exercícios.

Acredito que o treinador particular dotado destas intenções e conhecimento poderá, realmente, tomar decisões profissionais acerca das variáveis de treinamento que são monitoráveis e diretamente influenciáveis em tempo real. Afinal, o maior aliado do profissional que busca “todas as respostas” é aquele que é incansável em tentar entender e sempre melhorar a experiência do seu cliente.

Por fim, para além da necessidade de evolução constante sobre aspectos relacionados ao conhecimento técnico já destacadas no texto, também acredito que a expertise do personal trainer está no equilíbrio entre o seu interesse constante de evoluir fisicamente – e aqui não estou a defender corpos “sarados”, mas sim para que ganhe experiência e consciência, afinal, não se pode ensinar em um nível elevado de compreensão o que não se pratica – e a sua capacidade de comunicar estritamente o que for relevante para o entendimento do aluno acerca do que está sendo sugerido para ser feito. Pois, não lhe parece pouco produtivo, em ordem de transformar a experiência do aluno, lhe explicar a nível celular, a resposta a um determinado estímulo, se neste microuniverso o cliente não poderá exercer influência consciente?  

"Think science, speak client!!!"

(PURVIS, 2017. Resistance Training Specialist_Manual part 2 of the Mastery Level).

Tradução: "Pense ciência, fale "cliente"!!!".

Se você acompanhou o texto até o final, deixe o seu comentário, mas somente se você quiser. Para as próximas postagens, pretendo abordar questões referentes ao processo de tomada de decisão para a construção de uma experiência de treinamento não baseada em decisões automatizadas com o nosso aluno. Será um grande desafio tentar colocar isso em palavras. Por isso, a sua participação, comentando e compartilhando, são desde já muito bem-vindas. Até a próxima postagem.

Paz e Bem

 

REFERÊNCIAS:

MOSCÃO, João. Filosofia do Exercício de Treinador Particular: ensaio sobre os princípios regentes e a consciência de uma nobre profissão. – Portugal, 2017.

MURAKAMI, Haruki. Do que eu falo quando eu falo de corrida: um relato pessoal. Tradução: Cássio de Arantes Leite – Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. (grifos meus).

SIBILIA, Paula. O Show do eu: a intimidade como espetáculo - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. (grifos meus).

PURVIS, Thomas C. The Science of Resistance Exercise: Resistance Mechanics – Manual for part 2 of the Mastery Level RTS Course – USA. 2017.

 

 


[1] CONTINUUM TRAINING® é uma marca registrada por Thomas C. Purvis, fundador do Resistance Training Specialist – RTS.

 


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